Sonhei com um menino que vislumbrava o céu noturno e tentava agarrar as estrelas. Eram tantas ... como gotas no oceano. E ele se perdia no seu olhar. Sonhei com a mãe desse menino, que como ele almejava alcançar o infinito e romper as fronteiras do impossível. Juntos, em um pequeno bote construido com precárias tábuas de esperança, zarparam em busca da verdadeira aventura e navegaram por este imenso, maravilhoso e assustador mar de estrelas.
E isso, na verdade, fez toda a diferença em suas vidas.

domingo, 1 de maio de 2011

Lidando com o diagnóstico de Autismo - Impacto

Quando a onda gigante arrebenta na sua cabeça

Tenho verdadeiro fascínio pelo mar e pelas suas ondas. Fiz muito jacaré, pratiquei um pouco de bodyboard, e confesso que sou frustrada por nunca ter subido em uma prancha e surfado. Não é a toa que eu estou lendo um livro chamado “A Onda - em busca das gigantes do oceano”, da jornalista Susan Casey. O livro é bem interessante porque fala de fenômenos, sejam naturais ou culturais, relacionados à formação de ondas nos oceanos, em especial as grandes ondas: formação geológica, mudanças climáticas, surfe tow-in, tsunamis, etc.

E o que isso tem há ver com autismo? Aparentemente nada... Mas vocês já ouviram falar em “tomar uma vaca”? É uma expressão muito comum em surf. Significa que você caiu da prancha e foi engolido pela onda. Ela cai literalmente como uma vaca na sua cabeça. Imagina então que é uma onda gigante... Tremenda vaca.

Pois é assim que acontece quando o seu filho começa a apresentar sintomas que primeiramente ninguém sabe o que é. E depois de muitas idas e vindas a médicos e terapeutas você tem finalmente um diagnóstico de autismo (que no meu caso começou com diagnóstico de autismo desintegrativo – uma onda de mais de 30 metros). Isso significa que você acabou de cair da prancha na crista de uma onda gigante, foi engolido por um tsunami ou por uma onda aberrante (ou vagalhão – está lá no livro).

Nem todo mundo consegue sobreviver. A onda é capaz de destruir a paz, a esperança, a vontade de viver. Se você deixar ela vai literalmente te engolir.

Quando a gente está no meio do turbilhão de água tudo parece caótico e confuso, o ar vai escasseando no peito, você não sabe onde está e para que lado ir. A vontade de se debater, e de procurar o ar, é instintiva. Mas é aí que mora o perigo: a luta desesperada sem clareza da mente faz com que percamos a energia que nos é tão vital. Por isso as pessoas se afogam. Se por outro lado você tiver sangue frio suficiente e poupar energia, irá deixar que o turbilhão o leve – até que ele acabe e o carregue em direção à praia. Por que é isso que normalmente acontece com quem lida diariamente com as ondas, como os surfistas.

Mas é lógico que não é fácil. É imensamente (não vou te iludir não) difícil, penoso, doloroso. Precisa estar preparado e ter coragem. Precisa ter fé. Porque afinal de contas, você não estava sozinho naquela prancha. Teu filho também estava lá.

Existem poucas alternativas: ou você desiste e se entrega à onda (carregando consigo aquele que mais precisa de sua ajuda) ou você se imbui do espírito dos grandes exploradores e dos “big riders” e enfrenta a onda. A lógica diz que a possibilidade de sobrevivência é maior quando você resolve enfrentar a situação.

Enfrentar a situação... Não, não é um caminho fácil. É por demais sofrido. Mas não é impossível de ser percorrido (acredite nisso). Afinal, se tivermos clareza de mente e espírito, mais fácil será a adoção das estratégias que servirão de tábua de salvação para nossos filhos e familiares. E quanto mais cedo o tratamento, maiores as chances de recuperação. Parece clichê? Mas é a mais pura e simples verdade.

Procure então ajuda em grupos de apoio. Procure ajuda psicoterápica para você. Procure apoio na família. Procure os amigos. Divida angústias. Divida tarefas. Procure informação. Arregace as mangas que o trabalho vai ser árduo. Tenha acima de tudo paciência. Respire fundo. Mesmo... E não desista. Nunca. Seu filho agradece.

Por que a vida não acabou. E vou contar mais um segredo: não estavam somente você e seu filho naquela prancha. Deus também estava lá. E antes que você queira culpá-lo por qualquer coisa, deixe-me dizer algo: eu acredito que Ele criou este universo regido por determinadas leis, inclusive aquelas que determinam a loteria da vida. Cientes destas regras, somos livres para escolher o caminho que quisermos neste mundo: existe a chance dele ser bom, mas existe também a chance dele ser ruim.

Mas a sua Força Interior, aquela Força Primordial que moldou este universo e que permeia a tudo, inclusive você, continua aí dentro, faça chuva ou faça sol. Basta se conectar com ela.

Tem uma passagem de um poema de William Wordsworth que gosto muito, e que sempre me inspirou. Uma pequena estrofe de “Ode: Intimations of Immortality from Recollections of Early Childhood”. Veja:

“What though the radiance
which was once so bright
Be now for ever taken from my sight,
Though nothing can bring back the hour
Of splendor in the grass,
of glory in the flower,
We will grieve not, rather find
Strenght in what remains behind;
In the primal sympathy
Which having been must ever be;
In the soothing thoughts that spring
Out of human suffering;
In the faith that looks through death,
In years that bring the philosophic mind...”

Encontrei na internet (veja aqui) a tradução da Catarina Belo:

“Apesar de a luminosidade
outrora tão brilhante
Estar agora para sempre afastada do meu olhar,
Ainda que nada possa devolver o momento
Do esplendor na relva,
da glória na flor,
Não nos lamentaremos, inspirados
no que fica para trás;
Na empatia primordial
que tendo sido sempre será;
Nos suaves pensamentos que nascem
do sofrimento humano;
Na fé que supera a morte,
Nos tempos que anunciam o espírito filosófico.”

Tenham fé. E vão viver a vida.